Juliano de Melo Gregório
RESUMO: O presente artigo tem o objetivo
de compreender os usos dos carros de bois no comércio de Pouso Alegre durante a
década de 30. Neste sentido, pretendemos focar os conflitos sociais e
econômicos dos trabalhadores rurais no município, a partir da política
desenvolvimentista que começou a ser implantado nesse período. Para tanto, são
analisados fotografias da cidade, publicações de jornais locais e depoimentos
orais enquanto fonte de pesquisa. Após o estudo observamos que os carreiros[1] resistiram
às idéias progressistas impostas pelos administradores. Esta pesquisa tem intuído
de contribuir para construção crítica da História Social pouso-alegrense.
Na década de 1930 a administração do prefeito
Dr. Vasconcelos Costa realizou, na cidade sul mineira de Pouso Alegre, inúmeras
obras públicas que fomentavam a inserção do município à ordem
desenvolvimentista nacional. A título de exemplo: a venda e demolição da antiga
cadeia, localizada na extinta praça Francisco da Veiga, em virtude do
prolongamento da avenida Dr. Lisboa que é ponto referencial até os dias atuais.
O apelo ao moderno ratificava a construção de monumentos arquitetônicos aos
moldes franceses, a exemplo das obras de embelezamento da capital nacional
realizada por Pereira Passos no século XIX. Ao mesmo tempo, os laços campesinos
também eram muito evidentes no cotidiano pouso-alegrense, e por que não
pensá-los em nível da conjuntura política e social da nação?
Imagem 1 – Avenida
Doutor Lisboa - 1948[2]
Esta imagem retrata o cotidiano da avenida Dr.
Lisboa, ponto central da cidade. Observamos que o estilo arquitetônico nos
remete ao ideário urbano francês anteriormente mencionado: uma avenida larga,
pavimentada e arborizada. A ausência de fios nos postes de iluminação e o
modelo arquitetônico das casas, à margem da avenida, são também características
preponderantes do mesmo ideal urbano. Ao fundo da imagem identificamos a
circulação de automóveis pela avenida. No canto inferior direito da fotografia,
identifica-se um cavaleiro.
Ao passo que, segundo dado do IBGE[3]a
população brasileira era em maioria rural. Sendo 30% habitantes, entre homens e
mulheres, urbanos contra 69% habitantes rurais. Nesse sentido,
analisaremos a dualidade entre a cidade e o campo na década 30 em Pouso
Alegre, a partir dos usos de carros de bois, enquanto prática social no
município, uma vez que estes eram utilizados tanto na produção agrícola
realizada no campo, quanto no comércio realizado na cidade.
“O campo
e a cidade são realidades históricas em transformação tanto em si próprias
quanto em suas inter-relações. Temos uma experiência não apenas do campo e da
cidade, em suas formas mais singulares, como também de muitos tipos de
organizações sociais e físicas intermediárias e novas” (WILLIAMS, 2011, p.
463).
Considerando as palavras do historiador, campo e a
cidade estão em constantes processos de (re) significação. Dessa forma, seus
contrastes não são mera dicotomia que opõem, respectivamente, da barbárie ao
lócus. Sobretudo, novas abordagens são possibilitadas nesse sentido. Sendo
assim, nosso trabalho contribui para construção crítica da historiografia
pouso-alegrense.
Durante a década de 1930, Pouso Alegre ainda não
receberá investimentos para o desenvolvimento industrial de sua economia.
Lembrando que, a industrialização no país, nesse período era restrita,
basicamente, a cidade de São Paulo e capital Rio de Janeiro. O comércio era
utilizado como discurso legitimador dos ideais urbanísticos, que caracterizava
os meios de produção e trabalho no espaço urbano pouso-alegrense. O jornal “O
Linguarudo” ecoava a voz do progresso
Para o
viajante, que chega de outras terras, Pouso Alegre é uma surpresa e um milagre,
por que ninguem supõe que um município como este, que não tem tido auxilio de
grandes empresas particulares ou oficiosas, posso apresentar aspectos tão
encantadores, o movimento comercial tão desusado, a produção agricula tão
variada em grande escala como Pouso Alegre apresenta, em comparação com outras
cidades brasileiras. [...] As terras muito divididas e cultivadas, produzindo
varios produtos diferentes, não deixa haver as crises motivadas nos logares
onde se pratica a monocultura[4].
“O Linguarudo” era um jornal que abordava, com
crítica e humor, os acontecimentos sociais e políticos da cidade. Ele “foi um
dos jornais mais lidos e admirados da cidade, graças à singularidade, à
persistência e ao carisma do editor” (QUEIROZ, 1998, p. 101), sobretudo seu
redator – Pedro Lúcio de Andrade – era um comerciante local.
Observa-se na publicação, como dito anteriormente,
que na década de 30 não havia indústrias em Pouso Alegre e o comércio
ratificava o processo de desenvolvimento urbano. Adjunto, nota-se também que a
atividade agrícola era preponderante à economia do município.
As principais casas comerciais localizavam-se no
centro da cidade. Ou ainda, no próprio Mercado Municipal.
Imagem 2 – Fundos
do Mercado Municipal de Pouso Alegre[5]
Na fotografia acima, observamos um fluxo intenso de
pessoas ao fundo do Mercado Municipal. Registrada na década de 1920, mulheres,
crianças e homens adultos são identificados num dia de funcionamento normal do
comércio. Podemos observar crianças sentadas sobre carrinhos de madeira, estes
pequenos veículos eram utilizados pelas mesmas para executarem o serviço de
entrega de compras aos clientes do mercado. Nota-se aqui uma forma de trabalho
de crianças na cidade. O transporte de mercadorias também era realizado por
tração animal. No canto inferior direito da fotografia apresenta-se um animal
eqüino devidamente preparado para a condução de carga.
Nesse sentido, os carros de bois estavam envolvidos
de modo ambivalente na constituição do espaço urbano pouso-alegrense. Em
primeiro lugar, fazia-se presente junto ao cultivo e produção agrícolas, como
por exemplo: os territórios designados a agricultura no campo eram por eles
arados, pois praticamente não havia tratores para a execução dessa atividade.
Em segundo lugar, os carros de bois eram utilizados para transportar
mercadorias do campo para a cidade.
Com efeito, a principal função dos carros de bois
na cidade era transportar lenha aos citadinos, pois existiam fogões a gás nesse
período. Sobre o transporte de lenha por carros de boi o ex-carreiro Rubem Dias
Monteiro[6] nos
diz:
Eu
fornecia lenha pr’um tal de João Mariano, que vendia nas carrocinha pra rua.
Despeja lenha pr’ele, ele pegava a corrocinha dele, punha os pauzinho e ia
entrega... Nas casa. Não existia gás, né? Era só na lenha, então nóis ia vendê
[...] Eu vendia lenha pra cidade inteira. No quartel, o que eu forneci lenha no
quartel não foi brincadeira! Então tocava a vida desse jeito [...][7]
Em sua
fala observamos que os carros de bois carregados de lenha tinham seus clientes
específicos, ou seja, ao deixar o campo, já havia um comprador destinatário a
espera do produto na cidade. Na maioria dos casos eram os próprios donos de
armazéns que compravam a carga para revenda. Identificamos ainda presença
militares na cidade de Pouso Alegre. Por sua vez, eles já faziam parte
oficialmente do cenário citadino desde 1918 com a criação do 10º Regimento de
Artilharia Montada (10º RAM). Vale lembrar que nesse período era vigente no
Brasil o regime político do Estado Novo e os militares eram muito influentes no
governo.
Por meio dos procedimentos de História
Oral colocaremos em cheque as experiências sociais dos carreiros junto ao
desenvolvimento urbano pouso-alegrense, pois o passado plasmado no presente
revela, através dos depoimentos, as dinâmicas pessoais vivenciadas em meio aos
processos sociais. A História Oral também configura a identidade social desses
trabalhadores.
“Contar
uma estória é tomar as armas contra a ameaça do tempo, resistir ao tempo ou
controlara o tempo. O contar uma estória preserva o narrador do esquecimento; a
estória constrói a identidade do narrador e o legado que ela ou ele deixa para
o futuro”. (PORTELLI, 2010, p. 296).
Dessa forma, defendemos que a história oral revela
as práticas sociais dos carreiros ocultadas pelos discursos institucionais
desenvolvimentistas que construíram a história oficial do município. Do mesmo
modo, ela contribui para formular a identidade social e o legado cultural
desses trabalhadores
Através
dos depoimentos [História Oral], analisar que elementos simbólicos são
construídos pela população [carreiros], e se apresentam, muitas, como o avesso
daquilo que lhe é imposto cotidianamente, à medida essa população convive
tolera, assimila, reproduz a cultura oficial (MONTENEGRO, 2010, p. 13).
Para que pudessem circular pela cidade ou mesmo no
campo, os carros de bois passavam por um processo de cadastramento junto à
Prefeitura Municipal. Após o cadastro, era fixada nos carros uma placa metálica
com o número de registro, semelhante ao modelo abaixo:
Imagem 8: Placa
metálica com o número de registro[8]
O cadastro dos carros de bois implicava na
tributação anual de impostos para circulação e está intimamente ligado às
criações das estradas municipais. Outro aspecto a ser considerado refere-se ao
interesse por parte do poder público em conservar o bom estado das estradas de
rodagem, visto que os carros de bois danificavam-nas devido ao peso e a curta
espessura das rodas. As placas eram circunscritas em uma chapa ou calçadas por
hastes de ferro chamadas pião.
Além dos produtos agrícolas, o comércio da cidade
de Pouso Alegre também era fomentado por mercadorias e serviços
industrializados ou manufaturados, tais como: guarda-chuvas, chapéus, tecidos e
roupas.
Imagem 2 – Anúncio
publicado no Jornal ‘O Município’,[9]
O anúncio acima foi publicado no jornal “O
município”, que era um órgão oficial da Prefeitura Municipal, criado em 1938,
por Tuany Toledo. A propaganda citada divulga um ponto comercial que trabalha
com inúmeros tipos de produtos, entre eles: guarda-chuvas, chapéus, tênis e
outros. Tais mercadorias não eram produzidas em Pouso Alegre, mas vinham
de fora para atender ao público consumidor. O Largo do Mercado, localização da
Casa Cometa, era um ponto central da cidade.
Imagem 3 – Anúncio
publicitário publicado no Jornal O Município.[10]
“Boccato e Martins” era o nome de uma alfaiataria
pouso-alegrense que tinha como endereço comercial outro ponto central da
cidade: a praça Senador José Bento. Nota-se que ela era especializada na
confecção de uniformes. A partir desse anúncio publicitário identificamos a
presença militares na cidade de Pouso Alegre.
Apesar dos ideais políticos desenvolvimentistas em
apelo a urbanização, os carros de bois mantiveram-se enquanto prática social da
cidade de Pouso Alegre até o início da década de 70. O transporte de tração
animal era o meio mais utilizado para o abastecimento dos produtos agrícolas e
de lenhas para uso doméstico e comercial. Ao passo que no setor campesino do
município os trabalhadores rurais resistiram até primeira metade da década de
80.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
MONTENEGRO, Antonio
Torres. História ora e memória: a cultura
popular revisada. 6ª ed. São Paulo: Contexto, 2010.
PORTELLI,
Alessandro. Ensaios de história oral. São Paulo: Letra e Voz, 2010.
____________________.
O momento da vida: funções do tempo na
história oral. (Muitas memórias: outras histórias)
QUEIROZ,
Amadeu de. A história de Pouso Alegre e sua imprensa. Pouso Alegre:
Ferrer Comunicações, 1998.
WILLIAMS,
Raymond. Campo e cidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
[1] Carreiros: pessoa que conduzem carros de bois.
[2] Acervo Museu Histórico Municipal
Tuany Toledo.
[3] Instituto Brasileiro Geografia Estatística (IBGE).
[4] ANDRADE, Pedro L. Sua beleza, seu progresso, sua administração. O
Linguarudo, Pouso Alegre. MG, 8 out. 1939, p. 1
[5] Acervo Museu Histórico Municipal
Tuany Toledo.
[6] Rubem Dias Monteiro foi carreiro durante cerca de 20 anos, entre as
décadas de 1930 à década de 1950, morador do bairro dos Afonsos desde sua
infância, atualmente ele é aposentado e reside em uma propriedade rural no
mesmo bairro.
[7] MOTEIRO, Rubem Dia.
Depoimento concedido a Juliano de Melo Gregório. Pouso Alegre, 2011.
[8]
Acervo Museu Histórico Municipal
Tuany Toledo.
[9]
O
MUNICÍPIO. [Sem título]. Pouso Alegre. MG, 7 mai. 1938. p. 3.
[10]
A
CULTURA. [Sem título]. Pouso Alegre. MG, 22 jun. 1938, p. 4.
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