quarta-feira, 30 de maio de 2012

Cadeia Pública de Pouso Alegre: uma pedra no caminho do progresso republicano


Ana Eugênia Nunes de Andrade
Fernando Henrique do Vale
  
RESUMO: Este artigo pretende levantar questões relacionadas às políticas urbanísticas do início do século XX pautadas no embelezamento urbano de Pouso Alegre. Focaremos as transformações ocorridas na Cadeia Pública da cidade e os conflitos sociais apagados pelas principais instituições. Neste período a imprensa pousoalegrense defende os ideais republicanos e os políticos buscam junto aos órgãos estaduais apoio financeiro para a reforma do prédio e posteriormente para a retirada do mesmo da Avenida Doutor Lisboa. Podemos notar a partir da análise das fontes que em nome do progresso foram demolidas do centro da cidade as construções que impediam o alargamento avenida central.

Este trabalho tem por objetivo discutir os conflitos sociais presentes no centro de Pouso Alegre, a partir das políticas de urbanização da cidade no século XX em torno da Cadeia Estadual, no período de (1874-1931), localizada nesta época na Avenida Doutor Lisbôa. O espaço público se torna um ponto de tensões e conflitos, no início do século XX, quando se propõe a necessidade de prolongamento e embelezamento da principal avenida da cidade, a partir dos ideais urbanísticos do início da República no Brasil.

A imagem abaixo é da Cadeia Estadual e foi registrada no ano de 1885, pouco antes de se iniciar o século XX. Com aspecto rural, “a povoação possue 4 praças, 26 ruas e cêrca de 400 casas bem construídas e asseiadas, das quaes mais de 80 forão edificadas nestes últimos 10 anos” (VEIGA, 1884, p. 367).

 
Imagem 1: Cadeia Estadual - Pouso Alegre, 1885[i]

Observando a imagem acima nos deparamos com detalhes que caracterizam a ruralização do município: o chão de terra batida, não tendo ainda um calçamento bem definido. Há uma defasagem na iluminação, percebendo nesta vista parcial do centro da cidade a presença de apenas um poste de iluminação. A estrutura elétrica, assim como o abastecimento de água encanada e o tratamento de esgoto só se iniciariam doze anos mais tarde.

Sendo construído no ano de 1874, na administração do Dr. Francisco Luiz da Veiga[ii], o prédio possuía características simples. Na parte exterior, logo na sua entrada no térreo percebemos a presença de seis janelas e uma porta principal, dando acesso ao interior do prédio. Já no segundo andar, contamos com a presença de sete grandes janelas, tendo também em suas laterais. Tais características remontam a muitos dos prédios públicos da época.

No pavimento térreo existem 4 enxovias, 1 enfermaria e 1 xadrez para presos que tenhão de ficar retidos por pouco tempo. As enxovias contam, cada uma 2 janellas para o exterior e 1 porta para a área que occupao centro do edifício e onde existe uma fonte; as janllas, voltadas para o nascente, têm grades de ferro singelas, as do occidente grades dobradas, sendo todas essas prisões assoalhadas de pranchões de peroba, de que igualmente são revestidas as paredes internas. Na entrada do prédio há um vasto saguão que serve também de corpo da guarda e de onde parte uma escada dupla com gradil  e corrimão envernizado. No pavimento superior existem salões para as sessões de jury e da câmara municipal, ambos com galerias, sala secreta para o jury, quartos para testemunhas, archivo da camara, gabinete para o juiz de direito e commodo para o carcereiro. O edifício mede 100 palmos de frente sobre 80 de fundos, que está voltada para uma praça regullar, 7 janellas com sacadas e grades de ferro, medindo de altura 42 palmos (VEIGA, 1884, p.368).

Percebemos com a descrição acima a estrutura do prédio, denominado pelo Almanack como “um dos primeiros edifícios do Sul de Minas”. Tal espaço era destinado também como ponto de encontro da população, onde se reuniam no denominado “Largo da Cadeia” ou “Praça Francisco da Veiga” e em seu entorno para discussões, conversas e encontros, haja vista sua localização próxima a Estação da Rede Mineira de Viação.

Ao propormos o estudo sobre a cidade, especificamente sobre um espaço público, buscamos compreender os processos de integração e interação dos sujeitos e grupos sociais que participam de seu entorno. “A memória é uma evocação do passado. É a capacidade humana para guardar o tempo que se foi, salvando-o da perda total. A lembrança conserva aquilo que se foi e não retorna jamais” (CHAUÍ 2000, p. 125).

Nesse intuito buscaremos entender as causas da demolição da Cadeia, motivos estes que merecem uma grande atenção, para compreendermos as dinâmicas citadinas. Ítalo Calvino refere-se à “cidade como um ‘organismo vivo’, sendo fruto de inúmeras adaptações ao longo do tempo. Muitas cidades, como diferentes espécies, sofreram várias mutações, readaptando-se às novas condições ou desaparecendo” (POSSAMAI, 2007, p.1-2). 

Tomando como ponto de partida a História Social, nossa discussão de desenvolverá sob o novo jeito de se pensar história, sendo assim contrário às idéias tradicionais, em que se dá importância aos grandes fatos e nomes da história. Ao se estudar o passado não devemos limitá-lo como algo finalista e conclusivo, contudo, a partir dele, compreender o presente. Em primeiro lugar, a história não seria mais entendida como uma ciência do passado.

passado não é objeto de ciência. Ao contrário, era no jogo entre a importância do presente para a compreensão do passado e vice-e-versa que a partida era, de fato, jogada. Nessa formulação pretensamente simples estava exposto o método regressivo: temas do presente condicionam e delimitam o retorno, possível, ao passado” (BLOCH 2002, p.7).

Nesta perspectiva trabalharemos através da análise de nossas fontes, sendo este um ponto chave para a compreensão do desenrolar dos momentos históricos. “Os documentos que ‘falavam’ com os historiadores positivistas talvez hoje apenas murmurem, enquanto outros que dormiam silenciosos querem se fazer ouvir”(PINSKY, 2005, p.7).

A cidade de Pouso Alegre, neste contexto, possuía um grande número de jornais que circulavam semanalmente, trazendo notícias a nível mundial, nacional e local, assim como defendendo as novas tendências de comportamento da sociedade. Possuía também traços dos ideais positivistas de modernização defendidos durante as últimas décadas do século XIX. O uso da imprensa na pesquisa histórica tem se tornado frequente por retratar um contexto e uma linguagem social vivenciada na época, sendo um meio de influência em diversos setores da sociedade.


Trata-se de entender a imprensa como linguagem constitutiva social, que detém uma linguagem constitutiva social, que detém uma historicidade e peculiaridades próprias, e requer ser trabalhada e compreendida como tal, desvendando a cada momento, as relações imprensa/sociedade, e os movimentos de constituição e instituição do social que esta relação propõe” (CRUZ, 2007, p. 260).

Utilizaremos também da análise de imagens, como suporte para entendermos as mudanças ocorridas durante o tempo. Entendemos a imagem fotográfica “(...) como uma das fontes mais preciosas para o conhecimento do passado; trata-se, porém, de um conhecimento de aparência: as imagens guardam em si apenas indícios, a face externa das histórias que não se mostram, e que pretendemos desvendar” (KOSSOY, 2007, p. 31).


 
Imagem 2- Pouso Alegre, Avenida Dr. Lisboa 1918[iii]  

A imagem acima nos mostra o cotidiano da cidade de Pouso Alegre nos  nas primeiras décadas do século XX. Observamos a presença de diversos estabelecimentos e casas. Ao lado esquerdo, à presença do Teatro Municipal. Não possuímos muitas imagens da cadeia desta época, a exemplo da imagem acima, os fotógrafos procuravam registrar imagens da cidade sempre do Teatro para cima, procurando retratar assim uma cidade dentro dos padrões de beleza da época, tornando assim exclusos aqueles pontos que destoariam de tais moldes da época.

Não por acaso, à medida que sua moda ia se alastrando, as cidades, lócus por excelência do exercício e das práticas civilizadoras, iam construindo suas versões higienizadas, oficiais e modernas do espaço público. Não por acaso, os prédios públicos e as construções arquitetônicas esteticamente mais arrojadas foram os principais alvos dos produtores dos cartões-postais (BORGES, 2003, p. 60). 

Com tais procedimentos metodológicos, passaremos assim compreender o processo histórico da Cadeia Municipal de Pouso Alegre, que muitos ainda desconhecem, por falta de uma pesquisa mais elaborada e detalhada.

O Município de Pouso Alegre, localizado no Sul de Minas Gerais, foi uma região onde acolhia os aventureiros que desbravavam a região. Entretanto, a formação do povoado se deu apenas por volta de 1747, quando os primeiros habitantes se estabeleceram. Com o crescimento da população e o desenvolvimento do pequeno povoado, assim como, pela influência do Cônego José Bento Leite Ferreira de Mello, em 1831 elevou-se a categoria de vila. Alguns anos mais tarde, em 1848, a vila foi elevada à categoria de cidade.

Do pequeno povoado, que ali se formou, onde os campos e o sentimento rural prevaleciam livremente, os cercamentos foram tomando conta e a cidade aos poucos se formando. Para a manutenção da paz e da ordem social daquele espaço, surge a necessidade da construção de uma Cadeia Municipal. Em 1874 é autorizada pela Lei 2091 do Governo Provincial, sendo construída com paredes grossas de taipas e forrada de pranchões.

Iniciaremos aqui nossa discussão, visto que a construção da Cadeia se dá a 15 anos antes da Proclamação da República, porém as discussões em torno do prédio se darão alguns anos mais tarde, onde os ideais urbanísticos estão se formando e a mentalidade republicana se consolidando, política esta que “ajudaram a promover mudanças, às vezes, substanciais tanto nos padrões de sociabilidade como nas formas de organização do espaço” (SALGADO, 2003, p. 240).

No início do século, alguns anos após a construção do prédio percebem-se a necessidade de uma reforma no prédio da cadeia:

Apezar de não ser uma construcção antiga, a cadeia resente-se da necessidade de vários melhoramentos, que tem sido introduzidos nos tempos modernos, em edifícios congêneres. Entre as maiores necessidades salienta-se a falta de água nos esgotos. Embora a limpeza da cadeia seja feita todos os dias, removendo para longe as materias fecaes,etc., não quer dizer que as mesmas não estejam constantemente em depósito, prejudicando não só a saúde dos presos, como ainda infeccionando a cidade” (OLIVEIRA, 1900, p. 90).

No Almanaque do Município de Pouso Alegre, percebemos o tom de advertência  sobre as condições do espaço em que se encontra a cadeia. O autor salienta não ser uma construção antiga, porém necessitando de uma reforma, demonstrando assim uma ligação com os tempos modernos que se instalaram com os ideais republicanos. Notamos também uma preocupação com a questão do tratamento de esgoto, pois as mesmas se encontravam é péssimas condições, prejudicando não só os que ocupavam aquele espaço, mas também a população da cidade. Entretanto, demonstra-se a mínima preocupação da cidade com este espaço.

De há muito que o governo do Estado pretende remediar estes males, e para este fim já mandou fazer o respectivo orçamento; espera, porém, que a municipalidade lhe possa ceder parte da água; quando esta tiver de proceder o abastecimento da cidade” (...) Dentro do perímetro da cidade existem pequenos mananciaes, dois dos quaes abastecem os chafarizes,não tendo ainda sido aproveitado o maior de todos elles, o que seria de grande vantagem, podendo não só fornecer água à cadeia, como abastecer três novos chafarizes (OLIVEIRA, 1900, p. 90-92).

Ao mesmo tempo em que a municipalidade se preocupava com o embelezamento e a higienização da cidade, não observamos uma ação concreta dos responsáveis, tendo em mente que a cidade possuía condições para sanar estes problemas.

Os primeiros indícios de uma possível reforma da Cadeia se dão no ano de 1905. O Jornal “Correio Sul-Mineiro” do dia 18 de fevereiro, de 1905 nos traz uma matéria ressaltando as probabilidades de uma reforma no prédio proporcionada pelo Governo de Minas Gerais.

É uma necessidade inadiável, é uma medida urgentíssima essa restauração. Não dizemos isto pelo mau e ridículo aspecto que apresenta esse casarão desmantellado, ruinoso e sujo, no centro de uma das principaes praças da cidade, dizemos porque essa restauração representa a conservação desse prédio, que como está, sem revestimento, com o telhado desfeitos e as sallas recebendo chuva, as sacadas a cahirem, as vidraças partidas, irá sempre num crescendo rápido, cada vez mais arruinando até o ponto de, imprestável, não merecer o mais leve reparo. Sejam quaes forem as intenções do governo sobre as cadeias do Estado, sejam quaes forem os planos de reforma, não será prático nem econômico deixar cahir por terra, aos poucos, um edifício que tem valor e que, convenientemente restaurado, avançará pelo tempo afora, sempre sólido e útil (CORREIO SUL-MINEIRO, 1905, p. 01) .

A necessidade se fazia urgente, pois o prédio estava em ruínas, no centro de uma cidade, sendo algo aposto aos ideais republicanos. O jornal ressalta a importância da reforma, visando à estrutura de um prédio forte que avançará os tempos solidamente de grande utilidade. O jornalista ainda ressalta a questão da higiene:

Voltamos a dizer-é uma necessidade urgente restaurál-o ou saneal-o, isso principalmente, pois falta a hygiene mais rudimentar, dentro do prédio. As enxovias estão infeccionadas, immundicie ahi é pavorosa, chega a tresandar em effluvios nauseabundos pela praça. A câmara municipal, há tempos, deixou de funccionar, há tempos, de funccionar ao prédio pelo motivo das incommodas emanações que subiam desses cubículos. Água e esgoto é tão necessário como a conservação do prédio (...) (CORREIO SUL-MINEIRO, 1905, p.01).

Porém, ao fim da matéria, tomamos consciência que uma possível reforma seria uma medida mais econômica tomada pelo Governo: 

Nós bastante temos mostrado o nosso interesse pelas cousas publicas e esta, não é somente de interesse local, affecta, e muito, os interesses do Estado. Vai na restauração da cadeia uma medida de economia e de providência, que pouco custará em relação ao seu próprio valor, pois apesar de maus estado do prédio, os concertos são vários, mas não grandes e nem dispendiosos (CORREIO SUL-MINEIRO, 1905, p. 01).

Nesta época o prédio apresentava condições precárias, evidenciando-se pelas condições da fachada e suas laterais. Um prédio sujo, em condições lamentáveis, necessitando de uma reforma urgente.  Porém, as discussões sobre a Cadeia serão retomadas pela imprensa, 13 anos mais tarde, não mais com as mesmas intenções de reformar um prédio já existente, mas sim com projetos da construção de uma nova cadeia. O jornal “A Gazeta de Pouso Alegre” do dia 18 de Março de 1928 assim noticiará:

O Governo do estado, pela Secretaria da Agricultura, acaba de mandar a esta cidade um engenheiro para estudar e orçar as obras para a construcção de uma nova cadeia pública, attendendo que a actual está ameaçando ruir. Vae ser um benéfico serviço que se prestará à nossa cidade, e, para que o novo estabelecimento carcerário não seja erguido no mesmo local do antigo, centro da cidade e próximo da estrada de ferro, como que o dar uma nota de soffrimento e miséria ao transeunte que aporta a esta terra, a nossa Camara vae offerecer ao governo, o terreno próprio para essa construcção, afim de que a nova cadeia fique localisada em ponto mais afastado da cidade. É sem duvida, um passo de muito acerto e que vae ser dado, redundando em magnífico beneficio a Pouso Alegre (GAZETA DE POUSO ALEGRE, 1928, p. 02).

A construção de uma nova cadeia, segundo o jornal, será de grande benefício para a cidade, tirando da área central e das proximidades da estação ferroviária um prédio que não se torna padrão para o espaço. O diretor do jornal exercia a função de prefeito nesta época. Com isto, percebemos evidentemente suas intenções, em um momento que Pouso Alegre estava passando por um surto de progresso e desenvolvimento.

No ano de 1931 é demolida a cadeia na Praça Evaristo da Veiga e concretizado o prolongamento da Avenida Doutor Lisbôa. Ao prestar contas de sua administração, o Prefeito Dr. João Beraldo assim se expressou se referindo ao prolongamento da Avenida:

Quando deputado ao Congresso do Estado,consegui do Governo de Minas, de 1928 para 1929, que se mandasse construir a nossa atual cadeia pública. Dois objetivos tive, então, em vista: remover do centro da cidade um edifício que ali não ficava bem e conseguir um auxílio para o desejado prolongamento de nossa linda avenida. (...) consegui, perante o Congresso Estadual a aprovação de um projeto de lei, autorizando a doação à nossa municipalidade, do terreno então ocupado pela cadeia velha” (BERALDO, 1933, p. 13-14).

Possuído deste árduo desejo para com os avanços da cidade, o Prefeito Dr. João Beraldo, além de conseguir todo o espaço ocupado pela Cadeia, pela Praça Francisco Veiga, através da compra dos estabelecimentos e casas do entorno, consegue desapropriar todo aquele espaço para que o prolongamento fosse concluído, “(...) dotando a cidade de magníficos e modernos prédios, inclusive de um Grande Hotel, melhoramento de que tanto se ressentia a nossa cidade e para o qual concorreu a municipalidade” (BERALDO, 1933, p. 13-14).

Os jornais da cidade neste momento referiam-se sobre a importância do prolongamento da Avenida Doutor Lisboa. Dentre os diversos meios de comunicação locais, o Jornal “A Cidade” do dia 10 de Dezembro de 1933 trará em sua capa a matéria denominada “Avenida Dr. Lisbôa”. Com uma visão progressista, assim denota: “Pouso Alegre caminha, e a largos passos, para um grande amanhã de prosperidade”. No decorrer do artigo, percebe-se uma valorização da avenida, como principal ponto da cidade, no entanto deveria ter tido mais atenção no momento em que foi traçada. 

Ao concluir, o jornalista denota:

Imagine-se a Avenida Dr. Lisbôa num lançante suave, em manse declive, do Forum à Estação, sem os altos e baixos que lhe ficam a quebrar a perspectiva; com passeios nos devidos logares, arrematados convenientemente, tudo obedecendo aos preceitos da melhor technica! Seria uma Avenida linda e ficaria pelo mesmo preço que da defeituosa, para a nossa tristeza, nos dias presentes e futuros, de vez que incidimos, nesta época de tanta luz e tanto conhecimento, nos mesmos erros de nossos antepassados (A CIDADE, 1933, p. 01). 

A partir desta matéria percebemos que o problema estaria no planejamento da cidade, na construção e organização da avenida. Após o Teatro Municipal, a Avenida Dr. Lisbôa se estreitava em direção ao principal acesso da Estação Ferroviária. Neste ponto se encontravam  um tradicional Hotel da cidade e a Cadeia Municipal. Como podemos notar na imagem abaixo:

Imagem 3- Pouso Alegre, Largo da Cadeia- Década de 30[iv]

Na medida em que os ideais de progresso foram ganhando força na cidade, fez-se necessária uma melhor organização e reformulação urbana da cidade. Ao analisarmos os jornais, as imagens e os registros dos memorialistas percebemos fortemente a manipulação dos ideais republicanos, capaz de modificar totalmente um espaço em virtude dos trilhos do progresso, pautados nos ideais urbanísticos, por meio das instituições dominantes.

Diante destes acontecimentos devemos ter um olhar político. Este olhar, embora aponte e recorde a história, não a trata como depositário de datas e fatos, mas sim, um olhar “sobre o presente e, do presente, sobre o passado” (SARLO, 2005, p. 58-59) enfocando assim as diferenças, descobrindo assim as disputas ideológicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERALDO, João. Administração Municipal de Pouso Alegre 1927-1932. Belo Horizonte, MG: Imprensa Oficial de Minas Gerais.

BLOCH, Marc. Apologia da História ou Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

BORGES, Maria Eliza Linhares. História e Fotografia. Belo Horizonte, MG: Autêntica Editora, 2003.

CALVINO, Ítalo. (1984). The gods of the city. Monumentality and the city. Cambridge. The Harvard Architectural Review IV in POSSAMAI, Zita Rosane. Metáforas Visuais da Cidade. Revista Urbana,ano 2, n°2, CIEC/UNICAMP, Campinas,  2007.

COSTA, Ângela Marques da. SCHWARCZ, Lilia Moritiz. 1890-1914: no tempo das certezas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

CHAUÍ, MarilenaConvite a Filosofia. São Paulo, Editora Ática. ed 13ª, 2003CRUZ, Heloísa de Faria & Maria do Rosário da Cunha Peixoto. Na oficina do historiador: Conversas sobre História e Imprensa.  In: História e Imprensa. Revista Projeto História. São Paulo, SP: Educ, 2007.

FENELON, Déa Ribeiro (Org). Muitas histórias, outras memórias. São Paulo: Editora Olha d’Água, 2004. 
KOSSOY, Boris. Os Tempos da Fotografia: o efêmero e o perpétuo. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007.

OLIVEIRA, Jose Marques de. Almanack do Município de Pouso Alegre, Rio de Janeiro, 1900.

SALGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano: O Tempo do liberalismo excludente – da República a Revolução de 30. Rio de Janeiro: Ed. Civilização, 2003.

SARLO, Beatriz. Paisagens Imaginárias. São Paulo, SP, EDUSP, 2005.

VEIGA, Bernardo Saturnino da. Almanack Sul Mineiro para 1884. Campanha, Mg, Typografia do Monitor Sul Mineiro, 1884.

FONTES

Jornais

A Cidade. Pouso Alegre, MG, Ano I, n°2, 10/12/1933.

Correio Sul- Mineiro. Pouso Alegre, MGAno I, n°18, 18/02/1905.

Gazeta de Pouso Alegre. Pouso Alegre, MG, Ano XII, n°466, 1



[i] Acervo do Museu Histórico Municipal Tuany Toledo.
[ii] VEIGA, Bernardo Saturnino da.  Almanack Sul Mineiro para 1884. Campanha, MG, Typografia do Monitor Sul Mineiro, 1884.
[iii] Acervo do Museu Histórico Municipal Tuany Toledo.
[iv] Acervo do Museu Histórico Municipal Tuany Toledo.

Usos dos carros de boi no comércio de Pouso Alegre na década de 30

Ana Eugênia Nunes de Andrade
Juliano de Melo Gregório

RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de compreender os usos dos carros de bois no comércio de Pouso Alegre durante a década de 30. Neste sentido, pretendemos focar os conflitos sociais e econômicos dos trabalhadores rurais no município, a partir da política desenvolvimentista que começou a ser implantado nesse período. Para tanto, são analisados fotografias da cidade, publicações de jornais locais e depoimentos orais enquanto fonte de pesquisa. Após o estudo observamos que os carreiros[1] resistiram às idéias progressistas impostas pelos administradores. Esta pesquisa tem intuído de contribuir para construção crítica da História Social pouso-alegrense.

Na década de 1930 a administração do prefeito Dr. Vasconcelos Costa realizou, na cidade sul mineira de Pouso Alegre, inúmeras obras públicas que fomentavam a inserção do município à ordem desenvolvimentista nacional. A título de exemplo: a venda e demolição da antiga cadeia, localizada na extinta praça Francisco da Veiga, em virtude do prolongamento da avenida Dr. Lisboa que é ponto referencial até os dias atuais. O apelo ao moderno ratificava a construção de monumentos arquitetônicos aos moldes franceses, a exemplo das obras de embelezamento da capital nacional realizada por Pereira Passos no século XIX. Ao mesmo tempo, os laços campesinos também eram muito evidentes no cotidiano pouso-alegrense, e por que não pensá-los em nível da conjuntura política e social da nação?


 
Imagem 1 – Avenida Doutor Lisboa - 1948[2]

Esta imagem retrata o cotidiano da avenida Dr. Lisboa, ponto central da cidade. Observamos que o estilo arquitetônico nos remete ao ideário urbano francês anteriormente mencionado: uma avenida larga, pavimentada e arborizada. A ausência de fios nos postes de iluminação e o modelo arquitetônico das casas, à margem da avenida, são também características preponderantes do mesmo ideal urbano. Ao fundo da imagem identificamos a circulação de automóveis pela avenida. No canto inferior direito da fotografia, identifica-se um cavaleiro.  

Ao passo que, segundo dado do IBGE[3]a população brasileira era em maioria rural. Sendo 30% habitantes, entre homens e mulheres, urbanos contra 69% habitantes rurais. Nesse sentido, analisaremos a dualidade entre a cidade e o campo na década 30 em Pouso Alegre, a partir dos usos de carros de bois, enquanto prática social no município, uma vez que estes eram utilizados tanto na produção agrícola realizada no campo, quanto no comércio realizado na cidade.

“O campo e a cidade são realidades históricas em transformação tanto em si próprias quanto em suas inter-relações. Temos uma experiência não apenas do campo e da cidade, em suas formas mais singulares, como também de muitos tipos de organizações sociais e físicas intermediárias e novas” (WILLIAMS, 2011, p. 463).

Considerando as palavras do historiador, campo e a cidade estão em constantes processos de (re) significação. Dessa forma, seus contrastes não são mera dicotomia que opõem, respectivamente, da barbárie ao lócus. Sobretudo, novas abordagens são possibilitadas nesse sentido. Sendo assim, nosso trabalho contribui para construção crítica da historiografia pouso-alegrense.  

Durante a década de 1930, Pouso Alegre ainda não receberá investimentos para o desenvolvimento industrial de sua economia. Lembrando que, a industrialização no país, nesse período era restrita, basicamente, a cidade de São Paulo e capital Rio de Janeiro. O comércio era utilizado como discurso legitimador dos ideais urbanísticos, que caracterizava os meios de produção e trabalho no espaço urbano pouso-alegrense. O jornal “O Linguarudo” ecoava a voz do progresso

Para o viajante, que chega de outras terras, Pouso Alegre é uma surpresa e um milagre, por que ninguem supõe que um município como este, que não tem tido auxilio de grandes empresas particulares ou oficiosas, posso apresentar aspectos tão encantadores, o movimento comercial tão desusado, a produção agricula tão variada em grande escala como Pouso Alegre apresenta, em comparação com outras cidades brasileiras. [...] As terras muito divididas e cultivadas, produzindo varios produtos diferentes, não deixa haver as crises motivadas nos logares onde se pratica a monocultura[4].

“O Linguarudo” era um jornal que abordava, com crítica e humor, os acontecimentos sociais e políticos da cidade. Ele “foi um dos jornais mais lidos e admirados da cidade, graças à singularidade, à persistência e ao carisma do editor” (QUEIROZ, 1998, p. 101), sobretudo seu redator – Pedro Lúcio de Andrade – era um comerciante local.

Observa-se na publicação, como dito anteriormente, que na década de 30 não havia indústrias em Pouso Alegre e o comércio ratificava o processo de desenvolvimento urbano. Adjunto, nota-se também que a atividade agrícola era preponderante à economia do município.

As principais casas comerciais localizavam-se no centro da cidade. Ou ainda, no próprio Mercado Municipal.

 
Imagem 2 – Fundos do Mercado Municipal de Pouso Alegre[5]

Na fotografia acima, observamos um fluxo intenso de pessoas ao fundo do Mercado Municipal. Registrada na década de 1920, mulheres, crianças e homens adultos são identificados num dia de funcionamento normal do comércio. Podemos observar crianças sentadas sobre carrinhos de madeira, estes pequenos veículos eram utilizados pelas mesmas para executarem o serviço de entrega de compras aos clientes do mercado. Nota-se aqui uma forma de trabalho de crianças na cidade. O transporte de mercadorias também era realizado por tração animal. No canto inferior direito da fotografia apresenta-se um animal eqüino devidamente preparado para a condução de carga.
Nesse sentido, os carros de bois estavam envolvidos de modo ambivalente na constituição do espaço urbano pouso-alegrense. Em primeiro lugar, fazia-se presente junto ao cultivo e produção agrícolas, como por exemplo: os territórios designados a agricultura no campo eram por eles arados, pois praticamente não havia tratores para a execução dessa atividade. Em segundo lugar, os carros de bois eram utilizados para transportar mercadorias do campo para a cidade.

Com efeito, a principal função dos carros de bois na cidade era transportar lenha aos citadinos, pois existiam fogões a gás nesse período. Sobre o transporte de lenha por carros de boi o ex-carreiro Rubem Dias Monteiro[6] nos diz:

Eu fornecia lenha pr’um tal de João Mariano, que vendia nas carrocinha pra rua. Despeja lenha pr’ele, ele pegava a corrocinha dele, punha os pauzinho e ia entrega... Nas casa. Não existia gás, né? Era só na lenha, então nóis ia vendê [...] Eu vendia lenha pra cidade inteira. No quartel, o que eu forneci lenha no quartel não foi brincadeira! Então tocava a vida desse jeito [...][7]

Em sua fala observamos que os carros de bois carregados de lenha tinham seus clientes específicos, ou seja, ao deixar o campo, já havia um comprador destinatário a espera do produto na cidade. Na maioria dos casos eram os próprios donos de armazéns que compravam a carga para revenda. Identificamos ainda presença militares na cidade de Pouso Alegre. Por sua vez, eles já faziam parte oficialmente do cenário citadino desde 1918 com a criação do 10º Regimento de Artilharia Montada (10º RAM). Vale lembrar que nesse período era vigente no Brasil o regime político do Estado Novo e os militares eram muito influentes no governo.

Por meio dos procedimentos de História Oral colocaremos em cheque as experiências sociais dos carreiros junto ao desenvolvimento urbano pouso-alegrense, pois o passado plasmado no presente revela, através dos depoimentos, as dinâmicas pessoais vivenciadas em meio aos processos sociais. A História Oral também configura a identidade social desses trabalhadores.

“Contar uma estória é tomar as armas contra a ameaça do tempo, resistir ao tempo ou controlara o tempo. O contar uma estória preserva o narrador do esquecimento; a estória constrói a identidade do narrador e o legado que ela ou ele deixa para o futuro”.  (PORTELLI, 2010, p. 296).

Dessa forma, defendemos que a história oral revela as práticas sociais dos carreiros ocultadas pelos discursos institucionais desenvolvimentistas que construíram a história oficial do município. Do mesmo modo, ela contribui para formular a identidade social e o legado cultural desses trabalhadores

Através dos depoimentos [História Oral], analisar que elementos simbólicos são construídos pela população [carreiros], e se apresentam, muitas, como o avesso daquilo que lhe é imposto cotidianamente, à medida essa população convive tolera, assimila, reproduz a cultura oficial (MONTENEGRO, 2010, p. 13).

Para que pudessem circular pela cidade ou mesmo no campo, os carros de bois passavam por um processo de cadastramento junto à Prefeitura Municipal. Após o cadastro, era fixada nos carros uma placa metálica com o número de registro, semelhante ao modelo abaixo:

 
Imagem 8: Placa metálica com o número de registro[8]

O cadastro dos carros de bois implicava na tributação anual de impostos para circulação e está intimamente ligado às criações das estradas municipais. Outro aspecto a ser considerado refere-se ao interesse por parte do poder público em conservar o bom estado das estradas de rodagem, visto que os carros de bois danificavam-nas devido ao peso e a curta espessura das rodas. As placas eram circunscritas em uma chapa ou calçadas por hastes de ferro chamadas pião.  

Além dos produtos agrícolas, o comércio da cidade de Pouso Alegre também era fomentado por mercadorias e serviços industrializados ou manufaturados, tais como: guarda-chuvas, chapéus, tecidos e roupas.

 
Imagem 2 – Anúncio publicado no Jornal ‘O Município’,[9]

O anúncio acima foi publicado no jornal “O município”, que era um órgão oficial da Prefeitura Municipal, criado em 1938, por Tuany Toledo. A propaganda citada divulga um ponto comercial que trabalha com inúmeros tipos de produtos, entre eles: guarda-chuvas, chapéus, tênis e outros. Tais mercadorias não eram produzidas em Pouso Alegre, mas vinham de fora para atender ao público consumidor. O Largo do Mercado, localização da Casa Cometa, era um ponto central da cidade.

 
Imagem 3 – Anúncio publicitário publicado no Jornal O Município.[10]

“Boccato e Martins” era o nome de uma alfaiataria pouso-alegrense que tinha como endereço comercial outro ponto central da cidade: a praça Senador José Bento. Nota-se que ela era especializada na confecção de uniformes. A partir desse anúncio publicitário identificamos a presença militares na cidade de Pouso Alegre.

Apesar dos ideais políticos desenvolvimentistas em apelo a urbanização, os carros de bois mantiveram-se enquanto prática social da cidade de Pouso Alegre até o início da década de 70. O transporte de tração animal era o meio mais utilizado para o abastecimento dos produtos agrícolas e de lenhas para uso doméstico e comercial. Ao passo que no setor campesino do município os trabalhadores rurais resistiram até primeira metade da década de 80.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MONTENEGRO, Antonio Torres. História ora e memória: a cultura popular revisada. 6ª ed. São Paulo: Contexto, 2010.

PORTELLI, Alessandro. Ensaios de história oral. São Paulo: Letra e Voz, 2010.

____________________. O momento da vida: funções do tempo na história oral. (Muitas memórias: outras histórias)

QUEIROZ, Amadeu de. A história de Pouso Alegre e sua imprensa. Pouso Alegre: Ferrer Comunicações, 1998.

WILLIAMS, Raymond. Campo e cidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.



[1] Carreiros: pessoa que conduzem carros de bois.
[2] Acervo Museu Histórico Municipal Tuany Toledo.
[3] Instituto Brasileiro Geografia Estatística (IBGE).
[4] ANDRADE, Pedro L. Sua beleza, seu progresso, sua administração. O Linguarudo, Pouso Alegre. MG, 8 out. 1939, p. 1
[5] Acervo Museu Histórico Municipal Tuany Toledo.
[6] Rubem Dias Monteiro foi carreiro durante cerca de 20 anos, entre as décadas de 1930 à década de 1950, morador do bairro dos Afonsos desde sua infância, atualmente ele é aposentado e reside em uma propriedade rural no mesmo bairro.
[7] MOTEIRO, Rubem Dia. Depoimento concedido a Juliano de Melo Gregório. Pouso Alegre, 2011.
[8] Acervo Museu Histórico Municipal Tuany Toledo.
[9] O MUNICÍPIO. [Sem título]. Pouso Alegre. MG, 7 mai. 1938. p. 3.
[10] A CULTURA. [Sem título]. Pouso Alegre. MG, 22 jun. 1938, p. 4.

Os resignificados históricos da Estação Ferroviária de Pouso Alegre/MG

Ana Eugênia Nunes de Andrade
Universidade do Vale do Sapucaí


* Artigo publicado nos Anais do I Simpósio de Espaço, Sociabilidade e Ensino


Resumo: O artigo tem como objetivo debater as mudanças citadinas e os conflitos sociais em torno da antiga Estação Ferroviária da cidade de Pouso Alegre. Podemos dizer que as memórias da cidade estão representadas nos edifícios, nas ruas e avenidas, nos monumentos, nos prédios. A partir da análise das fotografias observamos o posicionamento dos políticos na utilização deste espaço público, os resignificados do prédio e as memórias dos sujeitos sociais vivenciadas e reorganizadas pela memória hegemônica.

A cidade é um espaço de sociabilidades nela estão inseridos atores que dialogam suas relações sociais e que muitas vezes se opõem as decisões do poder público. Além disso, os significados da cidade estão nos espaços públicos sendo atribuídos sentidos que se manifestam a partir das diversas memórias.

O espaço da cidade e as práticas em torno dela também trazem consigo toda uma rede de representações, de memórias que se entrelaçam construindo o saber e a visão de mundo que envolve os diferentes sujeitos. “A História precisa ser entendida com o conjunto de experiências humanas. Ao se fazer um estudo dos grupos sociais considera-se os significados das práticas coletivas de acordo com as ações dos sujeitos sociais e das convenções instituídas pelas comunidades” (CHARTIER, 2002, p.123).

Desde o início o prédio da Estação Ferroviária é visto pela população como símbolo de progresso para a cidade. A chegada do primeiro trem foi um acontecimento notável para os políticos da Capital Federal, do estado e do município. Os trilhos da Estrada de Ferro Sapucahy mudam a mentalidade dos administradores, tudo que se encontra ao redor do prédio da estação precisa ser remodelado nos moldes urbanísticos do desenvolvimento.

Foi no dia 25 de Março de 1895 que aqui chegou o trem inaugural, trazendo a seu bordo a directoria da Estrada, representantes do governo de Minas, da imprensa da Capital Federal, e grande numero de convidados pela directoria e pela comissão dos festejos com que a Camara Municipal deliberou commemorar este notável acontecimento (OLIVEIRA, 1900, p. 81).
A estação é uma construção singela, em fôrma de chalet; tem uma platafórma regular, mas pequena para conter a grande massa de povo, que quase sempre ahi se agglomera por occasião da chegada dos trens. Tem um pequeno armazém para deposito de mercadorias, dois gabinetes, communicando-se, para o agente e telegraphista, separados do armazém por um corredor que serve de sala de espera; e accomodações no restante do edifício para a família do agente (OLIVEIRA, 1900, p. 81).

Estas obras inacabadas, perto da estrada de ferro, causam má impressão e produzem verdadeiros contrastes: - aqui a locomotiva symbolisando o progresso, alli as ruínas symbolisando o atraso. (OLIVEIRA, 1900, p. 83)

Falar dos resignificados da cidade implica estabelecer conexões variadas com a própria experiência de viver em cidades. As marcas de afetividade compõem um acervo especial aos citadinos ao longo do tempo. Lembranças, sentidos, imagens, discursos se movimentam na memória coletiva. Essas marcas indicam códigos culturais que são carregados de conflitos, de ideologia, de resistências frente às práticas políticas que resignificam as imagens na cidade, reorganizando os sentidos pela memória hegemônica.

A partir dos conceitos de Thompson entendemos que cultura é uma arena conflitante, onde os sujeitos sociais trocam diferentes recursos entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole (THOMPSON, 2001. p. 17).

A autora Yara Aun Khoury contribui para uma análise sobre memória e cultura:
Considerando a história um processo de disputas entre forças sociais, envolvendo valores e sentimentos, tanto quanto interesses, dispostos a pensar e avaliar a vida cotidiana em sua dimensão histórica, a ponderar sobre os significados políticos das desigualdades sociais, nossas atenções se voltam para modos com os processos sociais criam significações e como essas interferem na própria história. Nesse sentido é que entendemos e lidamos com cultura como todo um modo de vida (FENELON, 1997, p. 18).

Pertencer à cidade implica vivenciar experiências sempre remodeladas ao longo do tempo. Estas práticas cotidianas são reconstruídas pelo pensamento e pela ação dos sujeitos sociais que criam a cada tempo outras cidades na cidade. Partimos da seguinte reflexão: qual a função social destinada nos diferentes tempos? Quais os significados atribuídos a Estação Ferroviária na cidade? Quais os elementos simbólicos desse espaço reconstruído ao longo dos anos?

A partir da análise das fotografias observarmos as transformações ocorridas na utilização do antigo prédio da Estação Ferroviária e seus arredores.  Com o estudo e a análise de imagens podemos observar a questão dos processos simbólicos.É mediante a análise dos processos simbólicos que se percebe como se criam os laços de pertencimento entre os membros de uma mesma sociedade, como e porque a memória coletiva pode unir e separar indivíduos de uma mesma sociedade ou grupo social, como e porque o imaginário social reforça certas visões de mundo mesmo quando as condições materiais para que elas existam já tenham desaparecido. Esses modos de comunicação criam campos de sabe comum; funcionam como sinais de orientação inclusive para as práticas sociais (BORGES, 2003, p. 79).

De acordo com Kossoy entendemos o papel da imagem fotográfica enquanto elemento de fixação da memória, esta fonte histórica deve ser analisada além da superfície. Ela nos mostra alguma coisa, porém seu significado a ultrapassa. Existe um conhecimento implícito nas fontes não verbais como a fotografia. “As fontes iconográficas produzidas através de diferentes formas de expressão gráfica carregam em si informações sobre certos fatos e sofre a mentalidade de uma época. Não só completam as informações transmitidas pelas fontes escritas, como, também enriquecem o conhecimento com dados reveladores” (KOSSOY, 2007, pág. 103-104).

A imagem fotográfica nos ajuda a desvendar os significados atribuídos aos espaços púbicos da cidade, revelando assim, o modo como a sociedade interpretava a dinâmica social desses sujeitos. Assim, a imagem fotográfica fixa um fato ocorrido em um momento determinado, preservando a imagem das faces, dos lugares, das coisas, das memórias, dos fatos históricos e sociais. Dessa forma, a fotografia pode ser percebida como um espelho que possui memória (BITTENCOURT, 1998, p. 205).

A chegada da ferrovia em Pouso Alegre, datada em 1895, marcou a chegada do desenvolvimento comercial e social para a cidade, a Estrada de Ferro Sapucaí, ligava as terras mineiras ao Vale do Paraíba.  Esse movimento em torno da Estação sustentou durante algumas décadas o transporte nestes veículos de tração animal e incrementou a vida na cidade.

Foto cedida pelo Museu Histórico Municipal Tuany Toledo – Estação Ferroviária

Podemos notar na fotografia acima o prédio Estação Ferroviária de Pouso Alegre de 1904, cinco anos após a Proclamação da República no Brasil, pode-se observar a relação dos habitantes da cidade com o espaço. Além da plataforma, a estação ainda abrigava uma sala para o telégrafo, bilheteria, um amplo armazém que abrigava a carga que seria despachada ou recebida, sala de espera e sanitários: masculino e feminino. Os homens que estão esperando o trem usavam como era comum àquela época terno, gravata e chapéu. Já os que estão nas ruas se vestem de uma maneira mais simples. Podemos ver também uma criança enchendo uma lata d água no chafariz, e alguns homens negociando seus produtos, era um espaço vivo da cidade.  

No cruzamento da atual Avenida Doutor Lisboa com a Avenida Vicente Simões, podemos observar que as ruas eram de terra. Em torno do prédio podemos notar que os meios de transporte eram carroças e carros puxados por animais. Homens de diferentes classes sociais moldam o cenário da cidade. A fotografia mostra os conflitos da época, de um lado a presença do desenvolvimento e do progresso simbolizados na Estação, do outro lado, traços rurais da cidade, coexistindo com os ideais republicanos da época.

...pode-se identificar o começo do que virá a ser o urbanismo moderno no encontro necessário entre o saber médico e as técnicas da engenharia, configurando as bases das práticas sanitárias que até as primeiras décadas deste século mantiveram-se como referência para as intervenções nas cidades. (BRESCIANI, 2001, p. 244).

 
Foto cedida pelo Museu Histórico Municipal Tuany Toledo – Estação Ferroviária – 1930

Nesta fotografia da década de 30 percebemos mudanças em torno da Estação. É nítido o aumento do fluxo de pessoas em volta do prédio (homens, mulheres e crianças). Ao fundo a direita, podemos notar a presença de carroças e animais, mas também aparecem automóveis, símbolos da modernidade, nas ruas empoeiradas da cidade. Elementos simbólicos do rural e do urbano mostram o espaço resignificado pelas práticas sociais. Os ideais de progresso da década de 30 estão pautados na ideia de modernização, tendo como pano de fundo a  industrialização que começa a aparecer no país.

Os conflitos sociais retratados nas fotografias nos dão dimensões dos espaços de discussão no contexto urbano, nos dizem como as disputas ocorrem e nos mostram as transformações que resultam delas, recuperam também, questões pertinentes às relações sociais advindas do campo e experimentadas na cidade
É também um modo de recuperar a importância da imaginação simbólica na vida social. Quando dizemos que uma imagem “fala por si mesma” e nos interpela, estamos supondo que é possível estabelecer um diálogo, tratá-la de certa forma como um”sujeito”que faz suas próprias perguntas e nos interroga, e não como objeto passivo e inanimado (ALEGRE, 1998, p. 68)

Foto cedida pelo Museu Histórico Municipal Tuany Toledo – Estação Ferroviária 1980

Já nesta imagem da década de 80, período em que a Estação Ferroviária foi desativada, podemos perceber mudanças no espaço urbano, as ruas estão calçadas de paralelepípedos, e em torno do prédio percebe-se o aparecimento de moradias residenciais. No chão, os trilhos por onde passavam os vagões e muitas histórias de vida, perdem o sentido e o lugar remete a uma cidade fantasma, que novamente é resignificada pelas políticas públicas vigentes. Os atores sociais que vivenciarem experiências em torno do cruzamento das duas artérias centrais da cidade são outros. Cabe aqui, ressaltar que neste período o Brasil era governado pelos militares que discursavam os ideais do Milagre Econômico. Muitas indústrias estrangeiras investiram capital no país, principalmente, as do setor automobilístico. Os trens deram lugar à malha rodoviária, mas o prédio e seus significados permaneceram vivos nas lembranças dos sujeitos sociais que circulavam e trabalhavam na Estação. “É preciso, portanto, não apenas recuperar os traçados dos múltiplos percursos, como também identificar as diversas maneiras de caminhar; não apenas inventariar os lugares, como analisar as maneiras de se apropriar dos lugares”(BARROS, 2007, p. 45).

Foto cedida pelo Museu Histórico Municipal Tuany Toledo – Estação Ferroviária – Década de 80

Em 1988, o prédio da Estação foi reformado e adaptado para abrigar a “Casa da Cultura Menotti Del Picchia”, tendo funcionado aqui uma galeria de artes plásticas, a Secretaria Municipal de Cultura e a Biblioteca Municipal “Prisciliana Duarte de Almeida”.  Menotti Del Picchia, um dos líderes da Semana de Arte Moderna de 1922, o príncipe dos poetas brasileiros estudou no Ginásio Diocesano São José, de Pouso Alegre. Durante os tempos de colégio na cidade escreveu seus primeiros poemas, dirigiu o jornalzinho o Mandu, e recebeu da Câmara Municipal, o título de cidadão pouso-alegrense.

A partir desta data, o espaço público é resignificado, nele é estampada a marca da cultura da cidade.  O local anteriormente marcado por lembranças do vai e vem dos vagões do trem, é simbolizado pelas práticas culturais dos artistas da cidade e região e pelos admiradores das diversas expressões artísticas que ali eram produzidas e expostas. Outros discursos são ecoados, outras imagens são projetadas, outras histórias são contadas, outros conflitos habitam o espaço.

 
Foto cedida pelo Museu Histórico Municipal Tuany Toledo – Estação Ferroviária - 2000

Atualmente o prédio é utilizado como o Centro de Convivência do Idoso. “O tombamento da Estação Ferroviária ocorreu em 1999 com o decreto nº 2349/99.” Percebemos aqui outra marca no prédio, em outro lugar da edificação, com outros sentidos exposto na logomarca ‘Centro Cultural de Convivência do Idoso’ que marca o antigo prédio da Estação Ferroviária de Pouso Alegre.  Ao analisarmos os dizeres atuais, notamos que o espaço agora não é mais o espaço da cultura, mas sim, de um determinado grupo social, limitou-se as práticas vivências neste espaço público. Por que a administração pública resignificou este espaço público? Por que a administração atual mantém esta significação? Que interesses estão em jogo?  

Cabe ressaltar, que somente ao caminhar pelas ruas de Pouso Alegre, podemos realmente notar seus resignificados, dentro de suas práticas culturais, permeados de valores, costumes e de experiências de vida na cidade.

Demonstra-se assim, as múltiplas possibilidades de fazer da história um constante exercício de construção. A proposta desta pesquisadora foi desvendar e refletir sobre as múltiplas experiências do cotidiano pousoalegrense, buscando na dinâmica da cidade os diferentes sentidos dos sujeitos sociais.
No sentido de que a cidade é um espaço marcado pelos interesses políticos, entender os significados das políticas públicas, seus processos de formação e os outros sentidos que seus idealizadores deram ao antigo prédio da Estação Ferroviária de Pouso Alegre. Neste artigo, muito mais que contar os resignificados do antigo prédio da Estação Ferroviária de Pouso Alegre procuramos problematizar as diferentes relações sociais no universo citadino, de acordo com a visão de mundo desses sujeitos, que constantemente mesclam os seus viveres com outros segmentos da sociedade, onde todos aparecem engajados na construção de uma teia que se encontra sempre em conflitos nos meandros do poder público.

Referências bibliográficas

ALEGRE, Maria Sylvia Porto. Reflexões sobre iconografia Etnográfica: por uma hermenêutica visual. In: Desafios da imagem: fotografia, iconografia e vídeo nas Ciências Sociais.Campinas, SP: Papirus, 1998.
BARROS. José D’Assunção. Cidade e História. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
BITTENCOURT, Luciana Aguiar. Algumas considerações sobre o uso da imagem fotográfica na pesquisa Antropológica. In: Desafios da imagem: fotografia, iconografia e vídeo nas Ciências Sociais. Campinas, SP: Papirus, 1998.
BORGES, Maria Eliza Linhares. História e Fotografia. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2003, p. 79
BLOCH, Marc. Apologia da História: ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.
CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora UFRS, 2002.
FENELON, Déa Ribeiro (et. al). Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: EDUSP. 1997.
KOSSOY, Boris. Os Tempos da Fotografia: o efêmero e o perpétuo. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007.
THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudo sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.