Alexandre Lopes Costa
Ana Eugênia Nunes de Andrade
RESUMO
O artigo
“Trajetórias e Histórias do Rock em Pouso Alegre/ MG (1985-2010): Da garagem ao
triunfo” tem como objetivo trazer uma nova abordagem sobre a manifestação
cultural. Este movimento é constituído por apreciadores e músicos ligados ao rock e a subgêneros do estilo. Através
da História Oral e da análise de fontes como cartazes buscamos levantar questões
que permitissem um novo olhar frente aos seguidores do movimento. De acordo com
os depoimentos e informações contidas nas fontes de pesquisa foi possível
observar a existência de um movimento que luta contra o preconceito e
estereótipos de julgamentos, muitas vezes, feitos de forma equivocada pela
sociedade. Percebeu-se a existência de estratégias dos sujeitos integrados ao
movimento para a permanência, resistência e sobrevivência deste. Há também
rupturas que ocorrem durante o período estudado como a falta de apoio
financeiro e de espaços físicos para realização de shows, bem como a inclusão
do movimento na cena cultural da cidade.
Palavras-chave: Cultura. Memória e Rock.
ABSTRACT
The article "Trajectories and stories of Rock in Pouso Alegre/MG (1985-2010):
garage for victory" aims to bring a new approach about the cultural
manifestation. This movement is made up of lovers and musicians rock and
bound to the subgenres of style. Through Oral history and analysis of sources
such as posters we raise questions which would have enables a new look
forward to followers of the movement.
According to the testimony and information contained in search sources was
possible to observe the existence of a movement that fight against prejudice
and stereotypes of trials, often misguided, made by society. It was realized
the existence of integrated strategies of subject to movement for the survival
and resistance of this milestone. There are also ruptures that occur during the
period studied, namely lack of financial support and physical spaces for shows,
as well as the inclusion of movement in the city's cultural scene.
Key-words: Culture, Memory and, Rock
O artigo intitulado Trajetórias e histórias do
Rock em Pouso Alegre/ MG (1985-2010): da garagem ao triunfo procura
compreender as permanências e rupturas que permeiam o movimento na cidade de
Pouso Alegre, sul de Minas Gerais, buscando entender as estratégias de
sobrevivência dos seus integrantes.
O Underground pode ser entendido como submundo, ou seja, “abaixo” do mainstream[3].
Esta cena opõe-se a hegemonia na produção artística e a uma forma única de arte
sustentada pelas elites da sociedade. Tudo que não está na mídia e não é
comercial, diferentemente do popular ou da massificação é considerado Underground.
O termo “The Undergrounds”, também foi usado para os movimentos de resistência
ligados a Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, este termo, foi aplicado aos
movimentos contra culturais, surgidos na década de 60. A partir daí, este
passou a designar várias subculturas, as quais são importantes para melhor
compreendermos esta pesquisa que envolve
os caminhos do rock.
Estas diversas vertentes do estilo estão inseridas
dentro do tema e surgiram mediante a prosperidade econômica, o desenvolvimento
do modelo de estado do bem-estar social, a expansão das indústrias culturais e
dos meios de comunicação de massa, a maior oferta de bens de consumo e das
atividades de lazer. Através destes fatores, se forma uma nova condição, na qual, a juventude busca liberdade e
também seu pertencimento, sua identidade.[4]
Somente em um segundo momento,
percebemos que com a chegada de novas tecnologias e da internet, melhoraram um
pouco o acesso a essas informações. Essa troca se faz importante para a resistência
e para a sobrevivência de grupos que engloba gírias, códigos, símbolos, tipos
específicos de roupas, ritmos musicais, espaços undergrounds, eventos, bandas, etc.
Essa diversidade de elementos é
importante, em nossa tentativa de compreender e entender a formação, as práticas
e as representações destes grupos. O historiador Roger Chartier[5] nos lembra que a realidade
social é construída por “esquemas” de representações em acordo com os
interesses de grupos sociais, e são responsáveis pela criação de “símbolos”, as
quais a realidade ganha sentido, tornando-se inteligível. Logo, todas as
relações sociais são intermediadas por representações.[6]
Considerados
por diversos autores como “tribos”, ou “grupos urbanos contemporâneos”, que
contrastam em nossas cidades nos dias de hoje. Essa fragmentação ocorre com
mais freqüência a partir dos anos 80, e no Brasil, as portas se abrem ao estilo
em meados desta década.
Nosso objetivo é fazer uma reflexão acerca do
movimento, observando as práticas e representações sociais e culturais através
de materiais de divulgação como cartazes, panfletos que nos possibilita
perceber, as dificuldades existentes para permanência do movimento e de algumas
bandas, assim como as transformações ocorridas dentro do movimento, como falta
de apoio, e de espaços na cidade bem como o preconceito existente da sociedade
de uma forma geral, para com o movimento e seus integrantes.
Buscamos
entender as transformações ocorridas dentro do movimento underground na cidade de Pouso Alegre entre os anos de 1985 a 2010,
observando os diversos elementos que o constitui, a maneira que os integrantes
buscam seus espaços e se envolvem na construção do movimento. Thompson[7]
alerta para observarmos “os modos de fazer, as construções destas
manifestações”, as permanências e rupturas existentes no movimento.
Ao observamos os
depoimentos e os cartazes dos eventos, percebemos as dificuldades enfrentadas
para a sobrevivência do movimento onde a falta de apoio e até mesmo a
existência de um forte preconceito, dificultam as realizações e a busca por
espaços, bem como integrar o movimento aos eventos culturais da cidade.
As fontes para a
realização deste trabalho nos permitiram compreender um pouco da história deste
movimento, analisando depoimentos, cartazes e fotografias. Isto nos
possibilitou perceber algumas questões que nos trazem a inquietação, como
certos julgamentos e pré- conceitos e até mesmo uma rejeição por parte da
sociedade para com o movimento.
A História Oral
é de suma importância para revelarmos algumas lembranças de nossos depoentes, o
que nos ajuda a revelar fatos importantes para nossa analise:
“A história oral seria inovadora primeiramente por seus objetos,
pois a atenção especial aos dominados aos silenciosos e aos excluídos da
história mulheres, proletários, marginais etc. Em segundo lugar seria inovadora
por suas abordagens que dão preferência a uma “história vista de baixo” atenta
as maneiras de ver sentir e que as estruturas “objetivas” e as determinações
coletivas prefere as visões subjetivas e os percursos individuais numa
perspectiva decididamente “micro histórica”.[8]
Assim faremos
uma leitura resignificando uma breve história do rock em Pouso Alegre, trazendo a visão de músicos, organizadores de
eventos e do público em geral que apreciam o rock e o tomam como parte
significativa de sua vida. “Thompson[9]
retrata o que considera uma cultura tradicional rebelde. E identifica uma
consciência dupla que resiste, em nome dos costumes, às inovações econômicas e
sociais do avanço do capitalismo.”
Existem, os que
aceitam, e os que contestam a abertura econômica e política, não aceitam o
capitalismo como forma de sistema econômico e as conseqüências que ele traz.
Acompanharemos a
partir deste momento as mudanças que ocorreram dentro do movimento na cidade de Pouso Alegre. Vamos conhecer
através das entrevistas, cartazes e fotografias, as bandas e a cena local, as
estratégias usadas para conseguirem informações e adquirirem fitas k7 e vinis.
Também perceberemos o quanto era caro se ter um instrumento musical para se
formar uma banda.
As primeiras informações sobre bandas de rock em Pouso Alegre, que foram obtidas
através de história oral, datam do fim dos anos 60 com Pedro Tiburcio que de
maneira informal ele nos conta: “Em 1968 eu tinha uma banda aqui em Pouso
Alegre já, chamava Tulipa Negra,
agente gostava do Classic rock, Beatles ,The animals, The Who, meu sonho
era tocar guitarra, era viver de música, agente gostava muito de rock n roll”.
Em seguida temos
uma banda que mesmo não sendo de origem pouso alegrense marcou presença na
cidade, a banda Recordando o Vale das Maçãs.
Ela foi formada em 1973. Em
1975 o grupo foi formado por Fernando Pacheco tocando guitarra e violão de 12
cordas; Fernando
Motta no violão e percussão; Luiz Aranha
tocando violino; Moacir Amaral na flauta;
Eliseu de Oliveira (Lee) nos teclados; Ronaldo de Mesquita (Gui)
tocando contrabaixo elétrico; Milton Bernardes na bateria; vindo de Santos – SP os músicos Fernando Pacheco,
Fernando Motta e Domingos Mariotti, passaram por Ouro Fino, fundaram a banda e
trouxeram para Pouso Alegre seu estilo diferenciado de fazer música, com o ambiente
musical inspirado em experiências com o contato com a natureza. Outros músicos da cidade
demonstraram interesse no trabalho e mais tarde fora convidados a se juntar à banda.
O Recordando o
Vale das Maçãs voltaria aos palcos na cidade de Pouso Alegre alguns anos mais
tarde, pois em 2007 a banda volta às atividades com uma nova formação e aos
palcos pouso alegrenses. O Teatro Municipal de Pouso Alegre e o Conservatório
Estadual de Música Juscelino Kubistchek da cidade foram palco de diversas
apresentações da banda, como nos conta Giuliano Tiburzio:
Em
dois mil e seis, quando eu fui pra faculdade de música, eu, Tom Zé, eu conheci
um outro tecladista lá, eu queria montar um trio progressivo, aí a gente chamou
o Pacheco pra trocar guitarra. Aí ele incorporou a gente a no “Recordando” o
que é o rock progressivo, tradicional. E a gente incorpora este projeto né,
recordando e então desde então a gente ta no “Recordando o Vale das Maçãs,”
tocar progressivo acho que é mais difícil do que tocar metal.
Uma das
primeiras bandas a tocar rock pesado
com influências da época na cidade foi à banda Di metal. Por volta de 1978 eles ensaiavam no centro da cidade,
próximo a Igreja matriz, local onde havia uma padaria conhecida como “Padaria
Central” e onde hoje funciona um supermercado com o mesmo nome. A banda formada
por Nicholas, Geraldinho, Marquinho e Nicinho foi um marco no início do movimento underground na cidade, influenciando as
gerações posteriores na cidade e tocando um pouco das principais influências da
época.
Nossos depoentes
falam com ares de saudade das lembranças que têm da época, um momento de
recordações de bons tempos onde o rock na cidade estava apenas engatinhando.
As
memórias são, portanto experiências historicamente construídas constantemente
modificadas e experiência uma criação constante da memória que faz o passado
servir para fazer o presente. Pensar memória experiência e diversidade cultural
é fundamental para discutirmos o processo histórico.[10]
Nesta perspectiva as lembranças, recordações e
narrativas de experiências vividas pelos nossos depoentes, foram atualizadas
para o presente, tentando assim buscar novos significados, observando sempre as
transformações e o “não dito”.
Em entrevista realizada com Fabiano[11],
integrante da banda Black Birds,
Fabiano nos fala melhor de detalhes da vestimenta da época e de suas influências:
Eu
comecei a tocar escutando as histórias do Di
metal, falaram pra mim que o Nicinho pra mim que o Nicinho era um cara
muito loco e eu cheguei a inicia um esquema meio que paz e amor, que nem eles
no rock’n roll, assim fora do da
geração pouso alegrense, sociedade em geral, achava que era ideologia de vida
entendeu. Falaram, pra mim que o Nicinho cara, andava com um teve uma época que
ele foi pros EUA e quando ele voltou ele voltou
pirado mas antes dele ir pros EUA
ele já andava assim , com tamanco calca de boca de sino sem camisa de
colete cabelo solto loiro, e queria ser confundido com o Robert Plant (risos) Ele andava de calça santropê que nem o Robert Plant, boca de sino, ele queria
ser confundido com Robert Plant ,O
começo foi eles, O Di metal, em 84 ou
85 mais ou menos[12]
Na entrevista Fabiano nos fala sobre o vocalista
Nicinho do Di Metal e sua influência
pelo rock n roll que na época
começavam a estourar como o Led Zepellin,
citando o nome do vocalista Robert Plant.
O rock em Pouso Alegre teve um
período de grande movimentação, segundo nossos depoimentos. Depois do Di metal, surgem muitas bandas, os shows
aconteciam no antigo Cine Eldorado, no centro da cidade de Pouso Alegre, na
esquina da rua Comendador José Garcia com a Rua Adolfo Olinto, uma rua abaixo
da praça principal da cidade.
Outra banda que
se destaca já no início dos anos 90 foi o Black
Birds, na entrevista com Adriano ele nos conta sobre:
O Black Birds começou fazendo uns covers,
mas logo gravaram um cd com músicas próprias. Marcelo Rosa e Fabiano Lobão
“apelido que eu dei” nas guitarras, Tutu no vocal, Eliezer Cascão na batera e
Claudemir no baixo. Os caras eram muito bons mesmo. Tive o prazer de fazer um
show com eles no antigo Varanda, na boate que ficava no subsolo. Na época, o
Fabiano tinha uma guitarra Shark, uma coisa que impressionava as meninas. Tempo
bom aquele.[13]
Em Pouso Alegre saiu uma excursão para o Rock n Rio I, o qual foi o estopim para a
explosão definitiva do rock no
Brasil. Algumas curiosidades sempre acontecem nestas viagens e esta não seria
diferente. Fabiano não retornou com a excursão do rock n rio, ele ficou por lá por mais quatro dias, apreciando a
cidade, porém ele se esqueceu de avisar os colegas que desesperados tentavam
localizá-lo.
Neste mesmo
período alguns políticos, candidatos e seus partidos, traziam para seus
comícios bandas do cenário pop rock e do rock nacional para tocarem em Pouso
Alegre como relatam nossos depoentes. Nesse período bandas como Barão Vermelho, Ultraje Arrigor, Titãs e RPM tocaram na cidade, aumentando ainda
mais alguns conflitos que já existiam
na mesma. Ao entrevistar Gian[14]
uma das figuras mais presentes na cena rock
n roll em Pouso Alegre, ele conta um fato curioso acontecido em um dos
shows em Pouso Alegre:
Um
fato curioso aconteceu no show da banda Titãs, a apresentação ocorreu de baixo
de muita chuva, e o publico estava curtindo mesmo assim, uma “roda” se abriu e pessoal estava agitando em frente ao palco, como de
costume né, balançando a cabeça, empurrões, socos no ar, como em todos os shows de rock, sem
violência, quando sem entender o que estava acontecendo a policia resolveu
intervir e dispersar o público agindo com violência, cassetetes, socos e chutes
foram dados contra o povo, quando a banda parou de tocar e eu me lembro certinho o vocalista
perguntando o que esta acontecendo aí vamos parar gente, abuso de autoridade
não.
E então a banda volta ao palco e toca
com ar de provocação um de seus sucessos na época a música chamada Policia[15]:
“Dizem
que ela existe
Prá ajudar!
Dizem que ela existe
Prá proteger!
Eu sei que ela pode
Te parar!
Eu sei que ela pode
Te prender!...
Polícia!
Para quem precisa
Polícia!
Para quem precisa
De polícia...(2x)
Dizem
prá você
Obedecer!
Dizem prá você
Responder!
Dizem prá você
Cooperar!
Dizem prá você
Respeitar!...
Polícia!
Para quem precisa
Polícia!
Para quem precisa
De polícia.”
A música fala da
repressão policial que ainda ocorria no país, na tentativa de controlar a
liberdade de expressão. A letra e o estilo agressivo é uma forma de protesto
contra um sistema repressivo e nos mostra uma forma de abordagem policial
repressora e o abuso de poder. Ela também faz uma sátira ao sistema de
segurança no Brasil. A música é tocada em um ritmo acelerado com três acordes
simples, a batida lembra o punk rock
de bandas como Ramones, The Clash,
entre outras.
As bandas que
faziam a abertura desses shows eram bandas locais como o Black Birds e a Alma Azul, elas
se apresentavam na maioria das vezes para um grande público. Esses shows
marcaram o rock na cidade aconteciam
muitas vezes em lugares abertos amplos com um som de qualidade alugado para os
comícios, que acabaram ajudando no surgimento de mais adeptos do rock na cidade e inserindo Pouso Alegre no
cenário do rock nacional. A banda de
Fabiano foi a banda de abertura nos anos seguintes para as bandas Barão
Vermelho, The Falla e Viper e gravou também uma faixa para o CD- ROM da
Esquadrilha da Fumaça. Logo em seguida vieram bandas como: Viper, Garotos Podres, Dr.Sin e
Angra que se apresentaram em uma casa de shows chamada Varanda, local um pouco mais afastado do centro da cidade.
A partir de 1985 a cena começa a movimentar
em Pouso Alegre, a banda Black Birds e
Alma Azul fazem apresentações mais freqüentemente na cidade, em lugares como a
danceteria Maracanã. Alguns locais viram ponto de encontro dos headbangers, como bares, lanchonetes,
praças e o conservatório estadual de música de Pouso alegre, onde muitos
músicos estudaram, e que dali saiu muitas bandas que fizeram parte da cena em
Pouso Alegre. O conservatório chegou a ser utilizado por algumas bandas para
realizarem seus ensaios como nos conta Fabiano:
Nós conhecíamos o segurança
e os horários que a sala de ensaios estava livre, daí esperavam lá fora, eu era
aluno e já sabia os esquemas passava ali observando enquanto via que estava
livre pegava a chave ia La fora chamava o resto do pessoal e trancávamos na
sala de ensaios por horas, o pessoal queria morrer com a barulheira , mal
sabíamos tocar ainda, era só o começo.
Fabiano nos fala de detalhes sobre marcas da
época e suas estratégias para conseguir ensaiar e tocar dentro do
Conservatório, na época havia pegado fogo e foi quase todo queimado, restando
apenas alguns instrumentos e nada do prédio, que foi reformado apenas muitos
anos depois, para novamente se instalar o Conservatório Estadual de Música
Juscelino Kubitschek.
Apesar da existência de um Conservatório Estadual de Música, o espaço
para o rock sempre foi muito pequeno e o preconceito sempre existiu até mesmo
dentro de uma cena musical. Os locais onde as pessoas frequentavam eram
diversos. Cada época teve seus lugares principais, como o Bar Mucho Loco (Bar do Robinson), o Bar
Woodstock, o Bar do Raul, Varandinha, Varanda, Banana Monkey, Bar 18, entre outros.
Eram pontos de encontros freqüentados por apreciadores, músicos e o
público que gostava do rock na
cidade.
Na imagem abaixo
é apresentado um cartaz de um evento onde a banda Black Birds juntamente com a banda Toque de Midas, tocaram no Bar
Varandinha, no bairro Esplanada. Percebemos que o patrocínio praticamente não
existia, no cartaz apenas havia um apoio de uma marca de cerveja ao dono do
estabelecimento que negociavam descontos nas bebidas. O cartaz é simples,
impresso com apenas duas cores como podemos observar.
No cartaz abaixo
observamos a composição gráfica em apenas duas cores, preto e vermelho, que era
o mais barato na época. Porém já é possível perceber alguns apoios, mesmo que
de empresas de amigos dos músicos como o também vocalista Tutu Cabeleireiro.
Notamos também que os outros anunciantes comercializavam produtos voltados aos
jovens como tênis, roupas e lanches.
Release da Banda Os Neuza 1993
No release percebemos a abrangência de
estilos, as influências e a proposta descompromissada da banda, pretendendo
apenas tocar rock n roll e seguir
seus ídolos, se sentindo bem tocando o som que gostavam.
A juventude buscava a liberdade e as formas
de se expressarem eram diversas, além do cabelo comprido, as vestimentas. Eles
queriam festejar, sentirem-se livres, queriam mostrar a existência de uma
liberdade de expressão, ir contra os estereótipos e os preconceitos existentes
na sociedade.
As escolas sempre tiveram um papel
fundamental, sempre abrindo espaços e deixando as bandas se apresentarem. Estes
eventos culturais se tornam importantes para a formação e a integração social e
cultural dos alunos. Mas nem toda escola era assim muitas escolas conservadoras
não deixavam bandas de rock se
apresentarem. Nem mesmo alunos entrarem de camisas pretas de bandas.
Na imagem observamos as formas de curtir dos
jovens, um clima festivo de descontração sem violência, apenas se expressando e
festejando o dia dos professores. Percebemos também que a fotografia foi
retirada em um ambiente escolar, a Escola Estadual Dr. José Marques de
Oliveira, uma das principais e mais antigas escolas de Pouso Alegre.
As bandas na região também eram muitas e
sempre que podiam faziam apresentações por aqui, como uma das bandas mais
antigas do underground mineiro o Corpse Grinder de Machado, cidade
vizinha a Pouso Alegre. As bandas passam a surgirem nas garagens, nos novos
bairros da cidade, como o bairro Esplanada e Árvore Grande de onde vieram
muitas pessoas de fora, como de São Paulo e do interior em busca e emprego, uma
vez que grandes indústrias se instalaram na cidade nesse momento e a procura
por mão de obra fez com que ocorresse um aumento significativo da população de
Pouso Alegre.
Dentro do movimento existem diversos fatores
que devem ser analisados, como a música como forma de expressão e de
contestação, muitos dos integrantes ao movimento são trabalhadores que não têm
tempo para estudarem no conservatório, mas também usam a música e o instrumento
como uma ferramenta para se expressar, para se sentirem livres ou apenas por
gostarem do que fazem.
Ao entrevistar Guilherme[16]
dono de um bar em Pouso Alegre, voltado para o público do estilo rock. Pessoas de todas as faixas etárias vêm de
bairros mais afastados para se divertir, os freqüentadores são de todas as
classes econômicas, eles discutem e conversam sobre temas diversos e trocam
informações sobre música. Guilherme nos conta mais sobre a história do rock na cidade e fala também de nomes
importantes tanto de bandas quanto de músicos que desde a época estão
envolvidos no meio, incluindo o entrevistado:
Eu não sou músico, mas
sempre estive entre eles, sempre gostei muito do rock na época agente trocava fitas k7, vinil, e tínhamos pouca
coisa, era muito caro, hoje não hoje ta tudo mais fácil, mas então Lá por volta
dos anos 1972,1973, sempre tinha uma banda tocando nos barzinhos no teatro, no
Clube Literário, agente tava em todos , tinha muita gente que gostava e as
bandas eram muito boas , tinha outros bares também, até no uirapuru , tinha a
Shadows era uma casa de show bacana, as bandas tinha o Di Metal do Pacheco,
tinha Black Birds do Fabiano Lobão, o Alma azul do Toledo daí depois veio à
censura, os pais não deixavam os filhos saírem , eu saia mesmo assim.( risos)
tinha muita coisa boa, lembrei-me do Imbuia, do Mesquitão, não era um rock mas
fez parte também, tinha o Space Invaders os filhos dele, tinha o Recordando o
vale das maçãs do Pacheco também tocava progressivo de primeira vieram de
santos pra cá, em seguida já veio às bandas de rock mais pesadas influenciadas
pelo Heavy Metal dos anos 80 como, Mr. Wizard do Raposão, O Ahura Mazda do Maurão, são muitas viu era muito legal...[17]
Guilherme fala com ar de saudade e emocionado
recorda dos amigos, os quais hoje ele recebe em seu bar sempre ao som do rock‘n’roll. Ele se diz feliz por
relembrar esse tempo e acredita que antigamente era mais difícil fazer parte e
gostar de rock, já que o preconceito
era maior e existiam maiores dificuldades de comunicação e de troca de
informações sobre novidades de músicas e bandas, além da situação financeira que
não permitiam a aquisição de discos e materiais das bandas que mais gostavam.
Em Pouso Alegre, a cena underground sempre foi agitada, porém sem muito apoio. Havia muitos
artistas, mas poucos espaços para que eles pudessem se apresentar, causando
assim um problema para os músicos e pessoas envolvidas na arte e cultura de
modo geral.
A cena alternativa também era forte, pois nem
todos gostavam de rock pesado, muitos também se expressavam com letras próprias
e som menos pesado, porém com letras que também faziam críticas a problemas
sociais e a realidade em diversos contextos.
Como observamos nos cartazes, o apoio das
bandas e dos eventos, sempre foi muito ruim por parte de setores públicos,
desde o surgimento do movimento até bem pouco tempo atrás, como podemos ver no
cartaz da primeira edição do evento Triumph
of Metal realizado no ano 2000.
A primeira edição do Triumph of Metal foi idealizada ainda no final do
ano de 1999 e foi efetivamente realizada no dia 09/04/2000, contando com a
participação das seguintes bandas: Tuatha
de Danann, Corpse Grinder, Punishment, Mr. Wizard, Menorah e Seventh Steel.
Eu e Gustavo de Oliveira demos esse ‘ponta pé’ inicial. O evento surgiu da
necessidade (na época) de suprir uma carência de festivais de Rock/Metal aqui
na cidade de Pouso Alegre/MG. [18]
Percebemos no cartaz da primeira
edição do evento a presença de bandas locais e de cidades da região como
Machado, Paraguaçu e Varginha, um dos apoiadores faz questão de mencionar com
destaque, o apoio a cultura. Observamos também a questão social e a preocupação
dos organizadores em fazer em todas as edições do festival e de outros eventos,
arrecadações de alimentos não perecíveis. 1 kg por pessoa chegando a arrecadar
uma quantidade significativa que era repassada as instituições de caridade da cidade.
A repercussão da 1ª edição foi bastante positiva
e o Jornal Sul das Gerais publicou em 24/04/2000 um texto bastante elogioso em
sua página 06, conforme reprodução abaixo:
No texto do jornal podemos perceber os
elogios e a confirmação que o evento foi em clima de confraternização e
respeito. Percebe-se também que quem escreveu a matéria coloca sua opinião
sobre a visão da sociedade para com o rock,
uma visão preconceituosa e com estereótipos. Os patrocínios foram todos de
empresas particulares, com exceção a Associação Comunitária de Marcos
Campanella, dentista e vereador, envolvido no meio político da cidade e
proprietário de uma rádio comunitária, que posteriormente cedeu um espaço em
sua rádio Nova FM para a realização do programa Long Live Rock que acontecia todo sábado no período da tarde, e só
tocava rock n roll.
Três anos depois da realização da primeira
edição, os organizadores do evento, se esforçam para dar continuidade ao
evento, com a responsabilidade de melhorar ainda mais, tanto em relação ao som
fornecido às bandas, quanto ao espaço físico oferecido ao público e a
divulgação, pois o evento estava ganhando nome e a tendência era de crescer
cada vez mais.
Cartaz da 2ª Edição do Triumph Of Metal Festival 2003
Na segunda
edição observamos a mudança no papel do cartaz e melhor qualidade na impressão
e nas cores do cartaz. Também há o aumento significativo do número de patrocínios,
os apoiadores culturais são empresas e o comércio local. Nota-se que em nenhum
espaço existe órgãos públicos, apoio a cultura ou da prefeitura local.
Muitas
foram às dificuldades enfrentadas pelo movimento e pelas bandas, com relação a
essa falta de espaço para se apresentar. Devido ao estilo agressivo e pesado e distorções
com uma bateria forte e rápida, formando uma música de volume alto, o que incomodava
muito a população, os vizinhos dos locais de ensaios, os vizinhos das casas de
shows e o público em geral, criando-se então, uma tensão e um conflito por
espaços. Muitas vezes a polícia foi acionada para chamar a atenção dos
organizadores ou donos de estabelecimentos e locais de ensaios, mas a Lei do
Silêncio sempre foi respeitada e quando solicitado, o evento era imediatamente
encerrado, sem maiores problemas. No depoimento de Rodrigo, ele nos fala sobre
as características dos eventos e dos headbangers:
Em nenhum evento do movimento underground ocorriam coisas
desagradáveis, como brigas, depreciações, roubos ou quaisquer outros tipos de
ato contra lei, o pessoal parece ser bravo, com cara de mal, vestido de preto e
tal, daí você vai conversar com o cara o cara é uma “moça”(risos) no bom sentido da palavra é tudo gente fina[19]
O
que nos leva a entender, que as pessoas que gostam do som e do movimento são unidas,
onde os integrantes se respeitam e se unem em torno do estilo musical.
Aumentando a força com intuito de não deixar nunca o movimento acabar e fazê-lo
crescer sempre e a cada dia mais.
Cartaz da 3ª Edição do
Triumph Of Metal festival – 2004
No cartaz da terceira
edição apresentado, percebemos uma redução significativa no número de
patrocínios e apoios. No centro do cartaz, a imagem de uma mulher semi-nua, não
foi muito bem aceita, causando desconforto a comerciantes locais. Talvez um dos motivos para tal redução e
também pelo fato de o evento ter sido realizado em um espaço curto de um ano de
intervalo apenas de uma edição pra outra, o que é comum em eventos de outras
cidades.
A terceira edição do
evento foi realizada com bandas de maior expressão, na cena, em um dos espaços
de maior capacidade da cidade, a casa de shows chamada Planeta Azul. Uma casa
própria para este tipo de eventos com capacidade para mais de 3000 pessoas.
Mas o que se
esperava era que acontecessem edições anuais como é o caso do Roça n Roll em Varginha, mas devido a
falta de apoio e as muitas dificuldades enfrentadas para a realização de uma quarta edição, que
aconteceria somente seis anos mais tarde.
No ano de 2006,
um CD, com músicas próprias das bandas da cena alternativa e underground da cidade, foi lançado pela
Lei Municipal de Incentivo à Cultura, algo começava a mudar na perspectiva de
apoio a esse movimento. O reconhecimento enquanto cultura e a abertura de
espaços e do direito ao apoio cultural passaram a fazer parte do cotidiano da
relação de poder do estado para com os movimentos culturais da cidade. O disco
se chamava Mandu sem Fronteiras como veremos nas imagens a seguir:
Capa CD Mandu Sem Fronteiras 2006
O disco vem com
um ar de rebeldia, como percebemos a capa nos remete a ideia de músicos que
quebraram a cabeça de tanto pensar e não tinham onde se expressarem. As músicas
selecionadas são de bandas escolhidas pelos organizadores do disco, grande
parte das letras do disco são em português como observaremos:
Parte interna
do encarte do CD Mandu Sem fronteiras
Caricaturas
dos integrantes das bandas participantes do disco
As caricaturas
representam os integrantes das bandas que participaram do CD, que foi um marco
para a cena cultural na cidade, já que não tivemos conhecimento de nenhum outro
projeto apoiado pela Lei municipal de Incentivo à Cultura. Com estas leis, foi
possível com que o movimento obtivesse uma importante conquista, somente em
2010, foi conseguida a aprovação do evento Triumph
of Metal pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura.
Com a aprovação
do evento pela lei os recursos da quarta edição do evento foi idealizada, mas
faltava recolher os patrocínios, para que tudo rolasse com mais tranqüilidade,
sem dificuldades e prejuízos.
A ideia do
quarto Triumph se firmou quando um
produtor de eventos que morava em São Paulo, mas que tinha família em Pouso
Alegre e que viveu o movimento Underground
na cidade, trazendo sempre shows do cenário rock
para a cidade de seus pais. Bandas como Angra e Viper, foram trazidas por ele, e então Marcel Castro, marca um show
do primeiro vocalista da banda Iron
Maiden, Paul Di Anno, na cidade
de Pouso Alegre.
Quando soube que
o movimento underground havia se
fortalecido, decidiu então apoiar o evento Triumph
of Metal e uma parceria então foi feita para a realização da quarta edição
do evento, desta vez, com uma atração Internacional.
Cartaz da 4ª edição do Triumph of Metal, 2010
A quarta edição
foi bastante aguardada, pois apenas após seis anos, outra edição seria
realizada, devido a falta de apoio. Agora
a cidade ganha um presente que marcou a história do rock no sul de minas, a passagem de um ídolo de gerações
anteriores, ex- vocalista de uma das maiores se não a maior banda de Heavy Metal de todos os tempos, o Iron Maiden.
Percebemos uma
transformação com o decorrer do tempo, onde os incentivos começam a aumentar e
o movimento a ganhar apoio da Prefeitura Municipal de Pouso Alegre e do governo
do estado, o underground passa a se
integrar como um evento cultural. O
surgimento das leis de incentivo a cultura fazem com que o movimento se
fortaleça.
Na década de 90,
percebemos que o patrocínio para eventos de rock
em Pouso Alegre praticamente não existia e que era comum a composição
gráfica dos cartazes em apenas duas cores, pois era mais barato na época. Com o
passar dos anos é possível perceber alguns apoios de empresários, amigos dos
músicos e de lojas que comercializavam produtos voltados para o público jovem. Ao
estudar estas práticas culturais descobrimos formas de resistências e
manifestações, bem como, o apoio dado pelas Leis de Incentivo à Cultura nas
esferas municipal e estadual.
Na tentativa de
melhor compreender significados de movimentos sociais urbanos, buscamos,
através das memórias de nossos depoentes, lembranças de experiências vividas e
de práticas cotidianas que nos auxiliaram no entendimento das transformações
ocorridas e dos fragmentos que permeiam o rock em Pouso Alegre. Com a
realização desta pesquisa podemos verificar a existência de um movimento
cultural diferenciado e pouco explorado até então. Notou-se também a sua
resistência para com sua permanência. Percebemos algumas rupturas e quebra de
conceitos como a aceitação do movimento como cultura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CANCLINI,
Nestor Garcia. Culturas Híbridas:
estratégias para entrar e sair da modernidade; tradução Heloísa Pezza
Cintrão, Ana Regina Lessa; tradução prefácio a 2. Ed. Gêneses. 4. Ed.- São
Paulo: Editora da Universidade São Paulo, 2003.
CHARTIER, Roger. História
Cultural Entre Práticas e Representações. Lisboa/Rio.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade
– 5ª ed. – Rio de Janeiro: DP& A, 2001.
________________
Da Diáspora. UFMG. Belo Horizonte. 1997.
HALL, Stuart e JEFFERSON, Tony (Orgs). “Resistance through
Rituals - Youth Subcultures in Post-war Britain”, London:
Ed.Hutchinson. p.21. Traduzido pelo autor: Resistência através de rituais
- Juventude subculturas no pós-guerra britânico.